O ato da fotografia é um encontro conosco e com o mundo que nos cerca. Nele ensejamos um olhar com o nosso íntimo e, se propusermos abrir-nos, também com os outros. O foco dessa exposição orbita em torno das pessoas e cotidianos observados na Etiópia, com uma combinação de imagens e narrativas de um brasileiro e uma etíope, que revelam como nós seres humanos experienciamos o mundo. Por um lado, temos retratos feitos a partir dos encontros do professor Zare Ferragi durante sua incursão em diversos territórios etíopes, em 2015. Por outro, encontros mais íntimos capturados pelas lentes da fotógrafa Terhas Berhe no cotidiano das mulheres que trabalham com barro, juntando suas mãos à maleabilidade do elemento barro, um trabalho que transita entre o molhado e o seco, resultado da interação entre terra, água, ar e fogo.
"No entanto, uma foto não é apenas uma imagem (o produto de uma técnica e de uma ação, o resultado de um fazer e de um saber-fazer, uma representação de papel que se olha simplesmente em sua clausura de objeto finito), é também, em primeiro lugar, um verdadeiro ato icônico." (DUBOIS, 1993, p.15). Percebe-se que a diversidade cultural, bem como a humanidade compartilhada nessas fotos, é o fio condutor do ensaio fotográfico que aqui se apresenta, em consonância com outros ensaios apresentados anteriormente na UFSCar.
Essa exposição soma-se a um projeto maior que, ao longo dos anos, trata de observar a fotografia como uma ferramenta de transformação do mundo: uma maneira de lançar olhares a mundos pouco observados na realidade brasileira. Busca-se, assim, estabelecer diálogos entre Brasil e África, com bases epistemológicas do sul, conectando América do Sul a um país do chifre africano.
A exposição apresentada nesse site, devido ao contexto pandêmico do COVID-19, estará disponível para circulação física em diversos ambientes posteriormente. Caso se interesse, entre em contato.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. p 15.
"No entanto, uma foto não é apenas uma imagem (o produto de uma técnica e de uma ação, o resultado de um fazer e de um saber-fazer, uma representação de papel que se olha simplesmente em sua clausura de objeto finito), é também, em primeiro lugar, um verdadeiro ato icônico." (DUBOIS, 1993, p.15). Percebe-se que a diversidade cultural, bem como a humanidade compartilhada nessas fotos, é o fio condutor do ensaio fotográfico que aqui se apresenta, em consonância com outros ensaios apresentados anteriormente na UFSCar.
Essa exposição soma-se a um projeto maior que, ao longo dos anos, trata de observar a fotografia como uma ferramenta de transformação do mundo: uma maneira de lançar olhares a mundos pouco observados na realidade brasileira. Busca-se, assim, estabelecer diálogos entre Brasil e África, com bases epistemológicas do sul, conectando América do Sul a um país do chifre africano.
A exposição apresentada nesse site, devido ao contexto pandêmico do COVID-19, estará disponível para circulação física em diversos ambientes posteriormente. Caso se interesse, entre em contato.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. p 15.
Lalibela nos incita uma reflexão sobre a peregrinação, essa viagem simbólica do corpo, mente e alma aos níveis mais profundos de nós próprios. O peregrino aqui, para além das diferenças culturais e religiosas, para além das línguas ouvidas e do tempo medido, nos convida para a tranquilidade dinâmica de algo escavado no chão. Mesmo que saibamos pouco sobre o seu contexto histórico, a igreja de São Jorge abre-se em um lugar que está no coração desse mundo em constante rotação.
A imensidão do Lago Langano confronta o olhar do expectador. Dele, sai um pescador carregando os peixes que seriam ofertados a nós visitantes à noite. À beira da água, observando a superfície, pensei no falecimento de minha avó no dia anterior, nos outros mundos abaixo e para lá de nós próprios. O Lago Langano parecia dizer-me: "Assim como é em cima, é embaixo", suspendendo o momento do instante e produzindo uma dimensão surreal e imaginal... Acordei com a chegada do pescador.
Sob os vastos campos agrícolas ao longo do Vale do Rift, um menino caminha com uma vareta na mão. Abrindo-se como uma mão em concha, o Grande Vale do Rift, também conhecido como Vale da Grande Fenda, é um complexo de placas tectônicas criado há cerca de 35 milhões de anos com a separação das placas tectônicas africanas e arábicas, um rifte que pode ser uma abertura para o mundo da imaginação infantil.
Rodovia Trans-africana Cairo-Cidade do Cabo. Uma estrada, como um dedo a apontar um caminho, traz dois amigos que caminham juntos. Mesmo quando não conseguimos ver o terreno com clareza - na escuridão da noite ou quando a vida está coberta de dúvidas - uma estrada e um amigo são bons companheiros, uma garantia de que iremos chegar ao nosso desejo, seja ele o do novo território e o da aventura ou a familiaridade de nosso lar.
Enquanto ao fundo ocorre um jogo de futebol, que inclui a participação de uma ovelha na audiência, dois meninos se equilibram em uma motocicleta, no que parece ser um processo de ensino e aprendizagem. Sem equilíbrio e movimento entre mente e corpo, e um pouco de coragem, os dois não avançariam suavemente no curso diário de sua própria independência, liberdade e companheirismo. As mãos, umas em cima das outras, sugerem o equilíbrio resultado dessa amizade.
Meu anfitrião na Etiópia, Henock (cabelos brancos) assistindo a uma apresentação teatral de seu projeto de prevenção do HIV, chamado "Programa Zare". O programa foi criado para ser realizado abrangendo Saúde, Educação e Meio Ambiente, três pilares de desenvolvimento. Zare é uma palavra amárica que significa literalmente “Hoje”, citada pela ONG Timret Lehiwot Etiópia para mostrar que esta iniciativa é um ponto de ação permanente para criar um futuro melhor. O projeto foi lançado em Awassa como parte do programa de prevenção do HIV urbano em parceria com a GOAL ETHIOPIA, com o apoio financeiro da Irish Aid. Quando cheguei lá e me apresentei como Zare, perguntaram se seria eu o criador do projeto.,. respondi que era só um admirador.
Estudantes do ensino médio, antes de sua apresentação teatral para o "Projeto Zare". O projeto foi concebido com o objetivo de contribuir para a redução da incidência do HIV e a mitigação dos impactos do HIV no desenvolvimento econômico e social. Conheci o projeto piloto, que focou principalmente em abordar a questão do HIV por meio do enfoque na intervenção de mudança comportamental e na conscientização de estudantes do ensino médio e universitários (jovens na escola), por meio do teatro. O projeto inclui ainda trabalhadoras domésticas, professores, e profissionais da saúde, entre outros.
Durante uma rápida parada, em um terminal de ônibus no interior do país, encontro-me com esse jogo de opostos: um cego, sem visão, e seu acompanhante, com visão. Reflito sobre o quanto a perda ou a falta de olhos são simbólicos da potencial transformação que toda essa experiência etíope me aporta. A "segunda visão", aquela do interior e da consciência, é mais sábia e precisa. Afinal, não há ninguém tão cego quanto aquele que não quer ver.
Uma presença incomum surge da floresta. Avisto essa menina, a irmã do meio, de nove irmãos pastorinhos, que chegam em seguida com suas ovelhas. Qualquer um de nós se torna pequeno e jovem ante uma grandiosa floresta, mas ela não. Aos sons de grilos e bichos diversos, como em um desdobramento da mítica Grande Mãe, essa menina chega abrindo caminhos, na linha de frente. Algo ancestral é animado pela floresta ancestral na qual ela caminha, como protagonista nos mundos do típico e do arquetípico que inevitavelmente colidem um com o outro.
Pai e filho. Enquanto montamos nossa barraca de camping, nas margens do Lago Langano, ele me conta que são chamados Waaqeffataa, pois acreditam no ser supremo Waaqa, o "Deus do céu", e aponta para o sol. Eles seguem uma antiga religião monoteísta indígena do povo Oromo, chamada Waaqeffannaa, que não têm escrita (texto sagrado). Sua mitologia baseiam-se na transmissão oral. À noite, na fogueira, descubro que muito antes da introdução do Cristianismo e do Islã, o povo Oromo tinha sua própria tradição de fé indígena e sistema de crenças. Eles me contam que Waaqaa tem nomes diferentes entre diferentes nações e povos; sua identidade e caráter não podem ser totalmente compreendidos por uma mente humana. Enquanto comemos peixe assado, descubro mais: sua crença não é organizada e escrita no papel, mas está nos corações, mentes, história oral e rituais das pessoas... Eles respeitam e acreditam na igualdade da humanidade, apesar de sua cultura, idioma, status, autonomia e diferenças de cor. Para os Waaqeffataas, após a morte retornamos para a natureza. Foi profunda a oportunidade de descobrir tudo isso, em especial um dia após o falecimento de minha avó... o curioso é que, antes dessa conversa, caminhei nas margens do lago, sentindo o vento... e a presença de minha querida avó.